terça-feira, 13 de outubro de 2009

Ação Direta na Supervia e a Precariedade do Transporte Coletivo no Rio de Janeiro

Federação Anarquista do Rio de Janeiro (FARJ)


O longo histórico de desrespeito e abuso praticado pela
empresa Supervia ganhou uma resposta concreta e direta da população no
dia 07 do mês de outubro. Indignados com o freqüente mau funcionamento
e atraso dos trens, os trabalhadores e trabalhadoras que dependem do
ramal Japeri-Central apedrejaram a bilheteria da estação de Nilópolis
e colocaram fogo em dois vagões de trem da empresa. Também foram
registrados comportamentos semelhantes na estação Deodoro e Engenho de
Dentro.

Desrespeitados pela Supervia cotidianamente, no último dia
07 as pessoas foram obrigadas a caminhar pelos trilhos do trem,
colocando suas vidas em risco, e para piorar a situação, a empresa não
ressarciu o dinheiro das passagens, provocando a indignação da grande
maioria dos usuários que não possuíam recursos para tomar outra
condução. A Tropa de Choque da Supervia, ou melhor, da Polícia
Militar, foi chamada para conter a indignação popular.

Um dia depois deste incidente, enormes paralisações de
trens novamente prejudicaram milhares de trabalhadores e expuseram a
precariedade do serviço de transporte do Rio de Janeiro. Na Central do
Brasil, maior estação de trem do Rio de Janeiro, após intenso protesto
popular, a polícia usou gás lacrimogênio e feriu mais de 20 pessoas,
inclusive idosos. Após as manifestações radicalizadas da população, o
governador Sérgio Cabral chamou os trabalhadores de “vândalos” [1] e
“vagabundos”; o governador talvez ignora que estes mesmos “vagabundos”
tomavam o trem justamente para retornarem ou cumprirem suas
extenuantes e longas jornadas de trabalho, muito distintas das
mordomias que gozam os parlamentares.

A atitude correta e justa dos trabalhadores na estação de
Nilópolis colocou em evidência duas questões: a precariedade dos
transportes coletivos e a crítica de determinados setores a este tipo
de reação popular, classificando-a de vandalismo ou baderna.



Precariedade dos Transportes no Rio de Janeiro



É mais do que evidente a precariedade da rede de
transportes coletivos do Rio de Janeiro. O metrô, mesmo com as
recentes obras e imensas promessas (que se renovam a cada ano), não
atende suficientemente bem a população: o valor do bilhete é abusivo
(o mais caro do país), os vagões estão sempre superlotados e a rede
possui poucas estações (são 33 estações, à título de comparação, em
Nova Iorque funcionam 468 estações, e em Santiago del Chile são mais
de 90). As condições de trabalho dos trabalhadores e trabalhadoras do
metrô são péssimas, e a implantação dos cartões pré-pagos visa
diminuir a quantidade de bilheteiros/as nas estações, aumentando os
lucros da administradora do metrô (Opportrans de Daniel Dantas,
envolvido em diversos escândalos de corrupção) e gerando mais
desemprego.

Os ônibus atendem muito mal a população; principalmente na
zona oeste e as linhas que em seu trajeto cruzam a Avenida Brasil. E
com a retirada de circulação de muitas linhas de vans, fruto do acordo
entre prefeitura e os grandes capitalistas do ramo dos transportes, o
custo de deslocamento do trabalhador aumentou consideravelmente.

Já os trens por sua vez, são o exemplo de total
desrespeito. Como é um transporte utilizado majoritariamente por
setores populares a precariedade é explícita. Para se ter idéia, a
malha ferroviária brasileira encolheu [2] de 38 mil quilômetros (1957)
para 30 mil em 2005. A Supervia (empresa privada), com apoio do
governo do estado, sucateou totalmente os trens e proibiu os camelôs
de trabalharem nas linhas, mesmo com o aval da população que consome
suas mercadorias; estes quando o fazem são agredidos pelos capatazes
da empresa (que recentemente foram flagrados chicoteando a população –
fatos como este, a Supervia tenta esconder com a proibição de máquinas
fotográficas nos terminais). Os trens atrasam frequentemente, sempre
funcionam lotados, e as panes na linha são regulares. Em 2007 oito
pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas em um único acidente.

Tal realidade dos transportes coletivos revela uma
política estatal que priorizou em grande medida a iniciativa privada e
o estímulo ao transporte individual, investindo em rodovias, viadutos
e estimulando o uso do automóvel; transporte individualista que não
resolve, mas agrava os problemas da mobilidade urbana. Tal política
equivocada, além de gerar poluição e engarrafamentos é simplesmente
inviável para a mobilidade do trabalhador e causa grandes transtornos
para a própria geografia da cidade, que permanece refém da política
motorizada que recorta os espaços, sempre insaciável por mais asfalto.
Recordemos que as empresas de ônibus e as administradoras do metrô
(Opportrans) e dos trens (Supervia) são empresas privadas que recebem
concessões do estado para explorarem o transporte coletivo, vital para
o funcionamento das cidades. Além disso, os investimentos na expansão
desses serviços vêm dos impostos que nós trabalhadores pagamos.
Pagamos mas não usufruímos das melhoras, e muito menos decidimos como
elas serão implementadas. Há uma relação aberta entre empresas
privadas, prefeitura, e governo estadual. As doações das eleições
municipais e estaduais que o digam [3], pois estas empresas são
tradicionais financiadoras de campanhas eleitorais (como atesta a
campanha do ex-prefeito Cesar Maia) e costumam cobrar esse
investimentos quando precisam do aval dos governos para aumentarem as
tarifas.



A legitimidade e o direito da Ação Direta Popular



Quando uma situação extrema de desrespeito dos patrões e
governos explicita a estrutura de classes e conduz os trabalhadores a
uma atitude radical que demonstre em atos práticos sua real
indignação, é normal ouvirmos os veículos de comunicação, a
classe-média medrosa, as elite$ ongueira$ e até setores da chamada
“esquerda responsável” classificarem estes atos como vandalismo ou
irresponsabilidade.

É fácil para estes setores, que em sua maioria não
enfrentam conduções lotadas diariamente, posicionarem-se contra a
destruição de “patrimônio público” (e que diga-se de passagem muitos
destes setores não utilizam, mas dizem hipocritamente proteger). São
os mesmos que defendem medidas inócuas de mobilização, como vestir-se
de branco em caminhadas na orla da cidade, ou abaixo-assinados
virtuais.

Obviamente não defendemos a destruição pela simples
destruição de quaisquer serviços que atendam (mesmo que mal) o
trabalhador, mas no caso específico de uma situação extrema que põe em
relevância um histórico de abusos, a única forma de chamar a atenção
para um problema que se arrasta durante anos é a ação direta popular.

Esta solução pode parecer radical para aqueles que ainda possuem
conforto o suficiente para aguardar melhoras nos próximos duzentos
anos, ou ainda tem tempo para revigorarem suas ilusões nas urnas, mas
a ação direta contra a Supervia é devidamente justa para aqueles que
se indignam e não suportam mais o tratamento desumano que lhes é
oferecido cotidianamente.

No caso em particular, em nenhum momento as reportagens que noticiaram
o fato questionaram a violência cotidiana sofrida pelos trabalhadores
nos trens lotados, cujas absurdas condições são terrivelmente cruéis
em longo prazo. Recordemos o aumento crônico da utilização de
antidepressivos e analgésicos, do abuso do álcool e das inúmeras
doenças que são causadas em grande parte por uma rotina estressante
que a situação do transporte muito contribui para fortalecer.

Esta violência cotidiana, terrivelmente sórdida, pois
poderia ser evitada por políticas de investimento e priorização do
transporte coletivo, é ocultada pela grande mídia e negada como uma
prática de violência - a violência que é visível para a mídia é a
violência contra objetos ou mercadorias.

Lembremos que a ação direta dos trabalhadores carrega-se de conteúdo
político no contexto em que foi gerada, pois não foi realizada a esmo
ou individualmente, mas coletivamente, depois de mais um incidente de
abuso da empresa. Lamentamos apenas a fugacidade e a curta duração dos
protestos populares, espontâneos em sua origem, porém justos e
racionais em seu conteúdo. Somos obrigados a ressaltar que o caminho
para enfrentar o desrespeito das empresas é prosseguir nesse tipo de
manifestação com base numa organização popular crescente ou numa soma
de organizações populares que tenham o transporte como um de seus
eixos primordiais e que não se deixe dominar por políticos
profissionais que tentam capitalizar o movimento em torno de suas
candidaturas ou partidos.

Lembremos que apenas após os frequentes “quebra-quebras” nas estações
das Barcas Rio-Niterói que o caso ganhou minimamente atenção na
imprensa, e até motivou a criação da CPI das barcas no terreno
pantanoso da política parlamentar. Somente depois das ocupações de
terra do MST que a reforma agrária virou tema de discussão nacional e
apenas depois das ocupações urbanas protagonizadas pelo movimento
sem-teto que ouviu-se falar pela primeira vez em “reforma urbana” na
imprensa deste país.

Isso reforça a tese de que determinados eixos de
reivindicação popular só tornam-se parte das agendas “públicas” do
estado burguês quando a organização popular pressiona-as com práticas
concretas de enfrentamento e ação direta. As mudanças na estrutura do
transporte público não entrarão na pauta e nem serão implementadas por
nenhum governo sem que haja em contrapartida uma organização popular
cada vez maior e consciente de que a gestão do transporte coletivo
deve estar na mão dos trabalhadores e usuários (autogestão) e que isto
passa necessariamente por uma mudança radical do papel dos transportes
coletivos na estrutura social contemporânea.



Notas:



[1] http://rjtv.globo.com/Jornalismo/RJTV/0,,MUL1334414-9097,00CABRAL+VAGABUNDOS+TEM+QUE+SER+PRESOS+IDENTIFICADOS+E+PUNIDS.html
Acessado em 08/10/2009



[2] http://www.apocalipsemotorizado.net/apocalipse-em-numeros/
Acessado em 08/10/2009



[3] Conferir doações de campanha em: http://www.tse.org.br.
Estranhamente não foi possível verificar os doadores devido a erros
recorrentes no bando de dados da página do TSE. Verificamos outras
informações e descobrimos que os nomes de determinados doadores de
campanha foram omitidos pelo candidato vencedor, o prefeito Eduardo
Paes, que distribuiu a informação apenas para a imprensa

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