terça-feira, 30 de junho de 2009

MANIFESTO - A questão da habitação no Rio de Janeiro

*REDE UNIVERSIDADE NOMADE
A questão da habitação e a regulação dos pobres no Rio de Janeiro:*
“Choque de ordem” ou “choque de cidadania”?


A luta dos trabalhadores pobres por moradia digna está chegando a um
momento crucial.

Este momento é crucial também para os setores dos
governos Municipal, Estadual e Federal ligados à esquerda, em geral, e
ao PT, em particular. Urge perguntar: a “esquerda de governo” tem
políticas públicas para os trabalhadores pobres da metrópole ou pensa
apenas nos interesses das grandes empresas?
Há dezenas de ocupações no Centro da cidade do Rio de Janeiro.

Os ocupantes são conjuntos de famílias de trabalhadores informais
(muitas de camelôs) que conseguem auferir uma renda trabalhando no
Centro da cidade – onde colocam seus filhos para estudar – e não têm
nenhuma proteção social.
Diante dessa situação inadmissível e, apesar de tudo o que se fala sobre
formalização, proteção aos informais e recuperação da dimensão urbana do
Centro da Cidade, as diferentes instâncias de governo (Município, Estado
e União) se mostram completamente indigentes: não há nenhuma política
pública que reconheça, em geral, o direito constitucional à moradia e,
em particular, o direito à moradia dos trabalhadores pobres do Centro da
cidade. Se existem alguns bons propósitos, como o projeto de recuperação
de alguns prédios públicos para habitação, estes estão longe de
acompanhar o ritmo das lutas e das ocupações.

O poder aparece diante dos pobres como um aparelho de proteção dos
interesses da propriedade privada, inclusive quando ela é pública na
realidade, como no caso de prédios abandonados às baratas por grandes
administrações estatais.

Pior, as decisões da Justiça só são acatadas e
executadas pelos governos com lisura (e truculência!) quando são
favoráveis aos proprietários. Quando, inversamente, são favoráveis aos
movimentos dos pobres, elas são esvaziadas pela burocracia de sempre:
enquanto a decisão da Justiça que obriga o Estado e a Prefeitura a pagar
um aluguel social aos moradores despejados de uma ocupação precisa de 3
meses para ser acatada (e, ainda assim, apenas parcialmente), a decisão
de despejo dos moradores do prédio do INSS da Av. Mem de Sá nº 134 foi
executada em apenas três dias (no dia 26 de junho de 2009).

Esse episódio recente – violento e sem nenhuma mediação por parte dos
chamados “poderes públicos” – é extremamente emblemático! As 30 famílias
que ocupavam o prédio despejado – dentre as quais havia 35 crianças
(tendo uma nascido na rua há pouco mais de uma semana) – foram
desabrigadas de outra ocupação por causa de um incêndio. Neste caso, a
Justiça interditou o prédio, mas determinou também que o Município
auxiliasse os sem-teto na mudança dos pertences. No entanto, a
Prefeitura mandou um caminhão de lixo da COMLURB para fazer a mudança!
Assim, os sem-teto se recusaram a usar o caminhão de lixo e só saíram
quando foi enviado um caminhão fechado pertencente à Defesa Civil.

Restam dois fatos políticos gravíssimos:
- os pobres são tratados como lixo !
- não há política voltada para eles !

Resultado: os acampados da Av. Gomes Freire continuaram com seu
movimento e mostraram sua capacidade de luta ocupando um prédio
(abandonado) do INSS na Av. Mem de Sá.

A pauta política imposta pela grande mídia conservadora sobre o “choque
de ordem” se traduz politicamente na própria falta de políticas!
Quais são as políticas da Secretaria de Assistência Social do Estado, da
Secretaria Municipal de Habitação e do Ministério da Previdência ?

O caso é particularmente grave: o governo municipal nos mostra uma visão
incrivelmente pobre da questão da cidade, da moradia e dos pobres!

Os avanços anunciados em termos de regularização fundiária e urbanística
nas favelas não podem ficar separados de uma articulação com uma
política integrada da cidade que reconheça concretamente o direito à
moradia dos trabalhadores pobres do Centro da Cidade. Tudo o que se
oferece é o programa federal “Minha Casa, Minha Vida” ou então, o
abrigo. Ora, naturalmente, as famílias de trabalhadores que hoje estão
na rua não podem esperar a execução (demorada) do programa federal de
habitação e o abrigo não é moradia: ele implica em um sistema de
restrições infindáveis e o esvaziamento do caráter imediato da luta por
moradia.

Escandalosamente, a Secretaria Municipal de Habitação não propõe nada e
dá a entender que o movimento das ocupações não é bem vindo nem bem
quisto; quase como se fosse um lobby em busca de alguma benesse ou
privilégio.
O movimento não é lobby, mas a base da construção da democracia e da
cidadania!

Os trabalhadores pobres do Centro do Rio de Janeiro precisam de proteção
social: é preciso RESOLVER JÁ A QUESTÃO DA MORADIA E NEGOCIAR COM AS
OCUPAÇÕES.

Dito isto, é preciso implementar imediatamente um programa de
titulação jurídica, de assistência técnica gratuita e de adequação dos
prédios para fins de moradia. É um escândalo que ainda não se tenha
implementado um projeto de regularização da documentação da grande
multidão de ocupantes (sem certidões e documentos!) que permitam seu
cadastramento no programa Bolsa Família.

A informalidade não é mais a sobra residual de uma taxa de crescimento
econômico insuficiente. Ao contrário, o próprio crescimento gera e
multiplica a precariedade do emprego. A informalidade mistura assim as
mazelas do subdesenvolvimento com aquelas da modernização e as novas
formas de precariedade do trabalho, sobretudo em âmbito metropolitano.
Não por acaso, entre os ocupantes e os manifestantes que participam do
movimento dos sem-teto há estudantes universitários: não se trata de
solidariedade ideológica, mas de uma nova composição do trabalho que
nossos secretários e ministros poderiam começar a enxergar, se não
quiserem abrir o caminho àquele declínio da esquerda cujas modalidades e
resultados podemos facilmente observar em vários países europeus.
Diante disso, o “combate à informalidade” apresenta-se aberto a uma
grande alternativa:
- por um lado, aquele pautado pela elite, faz do “choque de ordem” uma
linha repressiva permanente, sem fim: a repressão aos pobres se torna
uma política que preenche o vazio da própria ausência de política, quer
dizer, de governos que não tem projeto nenhum que não seja aquele de ...
governar!
- por outro, aquele pautado por uma política progressista de mobilização
democrática que reconhece a dimensão produtiva dos direitos, a começar
pela moradia!

Oferecer aos trabalhadores pobres uma moradia digna,
acessível e próxima do local de trabalho é um passo essencial na
construção de uma rede de proteção social adequada a esse novo tipo de
trabalho e na reconstrução da política democrática, do trabalho da
democracia e dos direitos.

Como podem os responsáveis pelos cargos de governo que dependem da
mobilização dos pobres ignorar os movimentos?

Como pode o Ministro da Previdência ignorar os pedidos de socorro daqueles que não tem
previdência nenhuma ?
É preciso perguntar se as diferentes instâncias de governo só pensam em
entregar mais dinheiro para as grandes empresas através da multiplicação
das renúncias fiscais ou se sabem – ao contrário – tirar a lição da
re-eleição de Lula em 2006? Pois são as políticas sociais que pavimentam
o caminho de um outro modelo de desenvolvimento e de sua base de
legitimação social!

Precisamos, mais que nunca, de um choque de cidadania no Rio de Janeiro
– a começar pelo reconhecimento das justas lutas dos trabalhadores
informais sem-teto do Centro da cidade!

Ivana Bentes, UFRJ
Giuseppe Cocco, UFRJ
Rodrigo Guéron, UERJ
Tatiana Roque, UFRJ
Bárbara Szaniecki, PUC-Rio
Gerardo Silva, UFRJ
Pedro Barbosa Mendes, UFRJ
Leonora Corsini, LABTeC-UFRJ
Carlos Augusto Peixoto – PUC-Rio
Márcia Aran, UERJ
André Barros, Advogado
Marta Peres, UFRJ

Um comentário:

thais justen disse...

"não há nenhuma política
pública que reconheça, em geral, o {{ direito constitucional }} à moradia e, em particular, o direito à moradia dos trabalhadores pobres do Centro da
cidade"

>cumpra-se...rs